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Uma história de dragão

Histórias de dragões são fascinantes e encantam a Humanidade desde que o mundo é mundo, digamos assim. Não existe uma única civilização que não possua, pelo menos, uma história de dragões, e, para espanto dos mais céticos, muitas dessas histórias são contadas em forma de relatos, ou seja, são registros de depoimentos de pessoas que, um dia, estiveram frente a frente com um dragão em carne e osso!
Normalmente, no Ocidente, dragões são encarados como seres malignos, aqueles que representam o Mal com “eme maiúsculo” e, por isso, são verdadeiramente temidos como emissários da destruição, da morte, do fim dos Tempos.
No Oriente (e entre os povos mais antigos da Terra), os dragões, ao contrário, são respeitadíssimos e até reverenciados como uma espécie de deuses alados. É verdade que, lá, eles são implacáveis contra todos os que têm a ousadia de postar-se diante deles carregando algum Mal dentro de si, pois os dragões orientais são inclementes contra tudo o que cheire minimamente à maldade, à desonestidade de intenções, à traição, enfim: ao Mal, propriamente dito.
Dentro dessa visão, os dragões orientais são arquétipos poderosos e carregam muitos significados ocultos sobre a Vida e a Morte, já que força, destemor, coragem, discernimento, sabedoria, dentre outros importantes atributos do ser humano em direção à evolução espiritual aqui na Terra, fazem parte das dádivas que eles possuem, e, consequentemente, exigem que os seus protegidos também possuam. (Sim: os dragões orientais protegem os que caem em suas graças!)
Um dia, publicaremos uma história com a visão oriental dos dragões, mas, a historinha de hoje, segue a visão ocidental. Eu a escrevi especialmente para ser publicada no site da Casa Shigeo, inspirada nas histórias de origem europeia que comumente ouvimos, principalmente no período primaveril. Nela, o dragão representa o Mal a ser subjugado através da coragem humana estimulada por seres angelicais, como o próprio Miguel Arcanjo: um Ser absolutamente magnífico que, dentro da cultura cristã, personifica, inspira e propaga o Bem Divino.
A história é simples, singela e quase nada assustadora como costumam ser as histórias envolvendo dragões, no entanto, acho que vale a pena conhecê-la.
Um abraço!
Era uma vez, no longínquo tempo em que deuses e feras podiam ser vistos por qualquer um, havia um reino que, depois de enfrentar muitas batalhas e disputas sangrentas, vivia um longo tempo de paz, fartura e benevolência. Monarcas sucediam-se pacificamente ao longo dos séculos, sempre mantendo o bem-estar de seu povo como a prioridade de suas intenções.
Nesse reino, as estações do ano eram vividas sem dilemas: na primavera, risos e flores. No verão, sol e renovação. No outono, frutos e fartura de alimentos. No inverno, tranquilidade e paz, porque foram previdentes e estocaram para os dias de frio. No entanto, numa certa manhã, o tempo mudou, de repente. Em pleno verão, as nuvens cobriram a luz do sol, e o céu escureceu como se fosse quase noite.
Lá de longe, um pontinho negro foi crescendo entre as nuvens densas. Era nitidamente um ser alado, porém, muito maior do que a maior das águias já avistadas naquele reino. E ele foi se aproximando. E se aproximando… E se aproximou tanto que, sem sombras de dúvidas, fez-se perceber por toda a gente: esse ponto negro nos céus desvelou-se na forma aterradora de um dragão!
O ser que, para muitos, não passava de um monstro pertencente somente às histórias de avós, inacreditavelmente estava ali, sobrevoando as cabeças dos que se arriscavam a ficar a céu aberto para vê-lo, observando a todos lá do alto, e impingindo um terror absoluto em todos os corações, antes despreocupados. Um dragão imenso, negro como as profundezas de uma caverna, possuidor de asas semelhantes à de um morcego, calda escamada e repleta de espinhos pontiagudos, garras gigantescas, e uma boca com tantos dentes que, em verdade, ninguém saberia (ou desejaria) contá-los. Ele escolheu a montanha mais alta, e lá pousou.
Depois disso, o reino nunca mais foi o mesmo. Todos os dias, os seus habitantes acordavam com o som estridente, vindo diretamente da garganta do dragão: um grito? Um rugido? Um chamado? Ninguém sabia! Só sabiam que esse era o seu jeito de mostrar que já estava acordado e que, em breve, teria fome. O prenúncio do que estava por vir, depois que ele levantasse voo e, lá em cima, decidisse qual seria a sua refeição matinal. Um dia, decidia-se por capturar ovelhas pastando. Em outro, eram cabeças de gado que desapareciam num piscar de olhos. E, em todos os dias, sobrevoava o reino voando bem baixo, suas asas esbarrando em telhados e torres, fazendo a população gritar, desesperada. Quando pousava de volta em sua montanha (sim! Aquela já era a Montanha do Dragão, e de mais ninguém), ele soltava um jato de fogo que, na realidade, não tinha mais nada a queimar, pois a sua montanha tinha se transformado em cinzas e terra desolada. Mas, essa era a sua maneira de dar o seu recado diário:
– “Viram do que sou capaz? Viram o que eu poderia fazer com vocês, caso quisesse?”
O rei – que era jovem e nunca imaginara enfrentar algo assim em seu tempo de reinado, comandou o seu exército com a intenção de expulsar o dragão de suas terras. No entanto, nada do que fazia surtia o efeito desejado: o dragão sempre vencia os confrontos, e os soltados que conseguiam escapar da morte certa sob as chamas aterrorizantes, voltavam para casa sentindo-se derrotados, mas, ao mesmo tempo, sentindo-se aliviados por continuarem vivos.
Reis de reinos vizinhos moveram os seus exércitos em socorro ao jovem rei, no entanto, infelizmente, todos tiveram o mesmo fim: uma derrota fragorosa frente ao dragão.
Até que um dia, quando nem esperança poderia se dizer que existia em algum coração, um misterioso caminhante chegou naquela terra desolada. Era velho, e ocultava-se sob uma capa com um capuz empoeirado e muito gasto pelo tempo. Sem dizer quem era, ou quem o havia enviado, ele apresentou-se ao rei e ofereceu-lhe um escudo e uma espada forjados em um metal fosco que ninguém havia visto antes. E foram estas as suas palavras:
– Querido rei, não enfrente o dragão com um exército, não é assim que se combate um dragão dessa natureza – disse o velho, solenemente. – Vá sozinho, se tem coragem para isso. Leve este escudo e esta espada. Se tiver sorte, não precisará matá-lo. Mas o banirá de suas terras para todo o sempre.
Depois disso, o velho foi embora sem dizer nenhuma palavra.
O jovem rei decidiu partir para a montanha do dragão, sozinho, na manhã seguinte. E, nessa noite, ele sonhou que, ao empunhar a espada diante do dragão, um poderosíssimo Ser, que de tão luminoso só poderia ser angelical, surgiu dos céus, abrindo suas imensas asas brilhantes à volta dele, protegendo-o como se fosse um escudo ou uma imensa armadura inexpugnável. Revigorado por esse sonho tão emblemático, o jovem rei montou em seu cavalo e partiu em direção à montanha, antes de o sol raiar.
Ao perceber que alguém tivera a ousadia de tentar enfrentá-lo, sozinho, o dragão soltou um som terrível, ao mesmo tempo em que cuspia fogo e abria as suas asas para alçar voo. Nesse momento, o rei desceu de seu cavalo e seguiu adiante, de escudo e espada em punho.
O dragão levantou voo, partindo furioso na direção de seu oponente.
Em verdade, nessa hora, o rei já se considerava morto. Talvez por isso, ele não fechou os olhos, nem permitiu ser dominado completamente pelo terror. Apertou o punho de sua espada, fixou o seu pensamento no Ser Magnífico que surgira em seu sonho, e aguardou a Morte chegar, sem tremer, nem piscar.
E, no exato instante em que o dragão desferiria o seu jato de fogo sobre o rei solitário, o Ser Luminoso que o rei vira em sonho, surgiu real, vindo do alto.
Ele era tão brilhante e emanava tanta luz, que, ao vê-lo, o dragão encolheu-se de absoluto horror. Sentindo a força da luz que emanava desse Ser, o dragão urrou, atingido por dores lancinantes, e despencou do céu. Quando bateu no solo, o som de mil trovões ecoou pelos ares.
Imediatamente, uma brisa benfazeja expulsou a escuridão das nuvens densas para todo o sempre daquele lugar, e um raio de sol brilhou no horizonte.
Por sua vez, ferido e humilhado, o dragão levantou voo com dificuldade, e partiu daquelas terras para nunca mais voltar.
Não apenas o rei, mas todo o reino voltou a respirar aliviado.
No entanto, esta história não conta se eles conseguiram retomar as suas vidas com coragem, força e dignidade, já que reconstruir-se, depois de uma destruição dessa magnitude, não é uma tarefa que se execute em poucos dias. Tudo o que podemos fazer é acreditar que, sim, eles conseguiram. E, se bem conhecemos alguma coisa sobre a verdade por detrás dos mistérios do mundo, eles estão trabalhando nessa reconstrução até hoje: com alegria, coragem, justiça, união, força… e tudo o mais que o aprendizado de confrontos com dragões verdadeiros podem oferecer aos seres humanos.

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