Esta é uma história que costumamos chamar de história pedagógica, ou seja, aquela historinha que um adulto cria quando precisa educar ou corrigir alguma situação enfrentada com uma criança muito pequenina, sem a necessidade de submetê-la a um sermão repleto de boas intenções, mas, cheio de ensinamentos que ela ainda não conseguiria compreender, racionalmente.
No caso desta história, sem discursos longos, ela explicita as consequências de um comportamento desrespeitoso com seres humanos, com a Natureza, com os animais. E o quanto tudo flui naturalmente quando conseguimos modificar uma atitude em relação aos outros e a nós mesmos, sem perdermos a nossa essência e a nossa individualidade.
Era uma vez, havia um velho caminhante que, desde a sua juventude, trabalhava com o seu burro em todo o serviço que lhe ofereciam: carpindo quintais, colhendo frutas no pomar, consertando cercas, limpando chaminés e telhados, caiando paredes, rachando a lenha, e, até, cozinhando e fazendo pães deliciosos. Mas, o que ele mais gostava de fazer era preparar a terra para plantar hortaliças e árvores frutíferas. Nas horas vagas, ele gostava de pescar e de entalhar pequenas peças de madeira.
Talvez, pelos anos e anos que acumulara vivendo histórias pelo mundo, sempre em paisagens diferentes, um dia, o homem desejou assentar-se, escolher um canto agradável e plantar para ele mesmo, “fincar raízes”, como dizia para si mesmo e para o seu companheiro burro.
Os dois ainda estavam fortes e gozavam de boa saúde, e, com o intuito de sossegarem em algum lugar, o velho caminhante guiou o burro pela estrada, passando por alguns reinos sem sentir que era o seu.
Numa bela manhã primaveril, os dois chegaram a um reino pequeno, porém, muito bonito e muito acolhedor. Seu rei e sua rainha eram amoráveis e generosos com os súditos, pois havia fartura até mesmo nos lares mais humildes, e alegria sincera nos rostos de mulheres e crianças.
O velho decidiu falar com os monarcas e pedir-lhes um lugar para ficar, em troca dos bons serviços que prestaria com o burro, até o fim de seus dias.
O rei segredou algumas palavras com a rainha, e depois lhe respondeu:
– Vejo que o seu rosto é marcado por muitas histórias, e intuo que seja o homem perfeito para a função que necessito: eu lhe proponho o seguinte: darei uma casa com terra em volta para cultivar, e água fresca correndo nela. Darei também duas moedas de prata a cada lua cheia, em troca de um único serviço: fazer com que o meu filho, príncipe e futuro rei destas terras, goste de fazer alguma coisa com as suas mãos.
– Eu sou apenas um velho que passou a sua vida viajando e viajando, majestade! – respondeu o velho, alarmado. – Eu fiz muitas coisas, mas jamais cuidei de uma criança. Muito menos de um príncipe!
O jovem rei sorriu e disse:
– O senhor saberá o que fazer, meu bom homem, o senhor saberá!
A rainha foi buscar o seu filho e apresentou-o ao velho. Sem saber o que fazer, ele tentou conversar com o principezinho.
– Oi! Tudo bem?
Mas, o pequeno fez pouco caso, e, por fim, deu-lhe um dolorido um pontapé.
Desconcertado, o velho pediu licença, chamou o burro e foi-se embora.
O príncipe tinha quatro anos. Além de bravo, também era muito mandão. E dava ordens aos trabalhadores do castelo como se já fosse o próprio rei, em pessoa. Os funcionários que viviam para atendê-lo, tinham que suportar as suas malcriações diárias, desde que ele acordava, até a hora em que, finalmente, dormia. O rei temia que, quando se tornasse rei, o seu filho agisse com crueldade com o seu povo, e os maltratasse, ao invés de cuidar deles.
No dia seguinte, o velho e o burro voltaram ao castelo. Enquanto esperavam pelo príncipe nos jardins do castelo, o velho reparou que, nos fundos, havia os resquícios de uma horta abandonada. Para passar o tempo, ele começou a tirar as ervas daninhas dos canteiros.
Tão absorto ficou nessa tarefa, que, distraído, não percebeu a aproximação do menininho.
– O que você está fazendo? – perguntou o príncipe, fazendo uma careta bem brava.
O velho levou um susto e, desconcertado, não respondeu de imediato. O príncipe ficou irritado com o silêncio do velho.
– Eu perguntei o que você está fazendo! – gritou ele, com as mãos na cintura.
Achando graça das caretas enfurecidas que aquele príncipe tão pequenino lhe dirigia, o velho relaxou, e riu, antes de responder:
– Eu estou limpando a horta. As verduras não gostam de mato.
– Por quê? – perguntou o menininho, mais interessado.
– Porque as plantas não conseguem crescer direito, com um monte de mato no seu caminho.
O homem continuou a limpar a terra, já que conversar não era exatamente a sua vocação natural.
Vendo-o trabalhar de forma tão amorosa e tão compenetrada, finalmente, o príncipe começou a imitá-lo.
– Assim não, disse o bom homem. Esse é um pezinho de alface. Tire aquelas ali.
O menino animou-se e ficou bem contente quando conseguiu, sozinho, identificar as ervas daninhas. No final do trabalho, o príncipe estava faminto, e suas bochechas estavam coradas.
Pela primeira vez, ele alimentou-se como nunca o fizera antes, e achou tudo delicioso.
Na manhã seguinte, o velho foi direto para a horta. O principezinho o avistou pela janela, e foi correndo para lá. Desta vez, ele ajudou o velho a regar as mudas e a fazer canteiros novos. Novamente, no final do trabalho, o príncipe estava cansado, mas estava muito contente. E foi educado quando se despediu do velho:
– Até amanhã!
– Até amanhã, principezinho! – respondeu o velho, sorridente.
Os dois tornaram-se bons amigos. Eles faziam muitas coisas, juntos: cuidavam da horta, colhiam frutas no pomar, passeavam com o burro, e, até pescavam os peixes que eram servidos na mesa do rei e da rainha (aliás, eles passaram a fazer a refeições junto com os dois).
No aniversário do príncipe, o velho fez uma surpresa: deu a ele vários cavalinhos, cachorros, ovelhas, porquinhos, galinhas e patos, que ele, secretamente, havia esculpido em madeira. O príncipe adorou! E brincou com esses bichinhos a manhã inteira.
Pela convivência com o velho, o príncipe foi mudando. Nem parecia mais o mesmo menininho mandão e irritado o tempo todo, pelo contrário! Agora, ele era uma criança feliz, solícita, animada, bem-humorada, corada, educada com todo mundo!
Mas, o que o príncipe mais gostava de fazer era ficar ouvindo as histórias sensacionais, que o velho contava com a sua voz pausada, firme, porém, gentil.
E os anos foram passando. O principezinho já não era mais um principezinho, era um jovem forte, inteligente, hábil em práticas de espada e montaria. Ele já tinha muitos afazeres no reino e vários mestres diferentes. E, ocasionalmente, se ausentava do reino para viajar e conhecer terras distantes. Quando voltava, corria para conversar com o seu primeiro mestre: o velho, o seu avozinho querido.
Quando o burro partiu desta vida, ambos ficaram tristes, juntos. Quando o velho se foi, o rei e a rainha seguraram as mãos do jovem príncipe, e o ampararam em seu momento de despedida. E quando os pais se foram e chegou a hora de ele próprio assumir o seu reinado, ele já era plenamente adulto e perfeitamente capaz de fazê-lo com coragem, serenidade, força, gratidão, singeleza e muito amor para discernir sobre o Bem e o Mal. E assim o fez, por toda a sua vida, sempre atuando com todo o amor, a compaixão e a coragem com os quais foi educado, desde pequenino.



